Terminadas as festas Pascais, em que os cristãos celebram, anualmente, a ressurreição de Jesus Cristo, o povo volta-se para a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade – vulgarmente conhecida pelo Espírito Santo. E logo no primeiro domingo a seguir à Pascoa, começavam a cumprir seus votos, que vários eram, quer na celebração da solenidade religiosa - Missa e Coroação – quer num jantar, geralmente, a doze pobres, na evocação dos Doze Apóstolos. A esses jantares não faltavam os familiares e convidados. Um dia grande para a família promotora da solenidade ou voto.
É uma das mais antigas e tradicionais devoções do povo açoriano, pois, já Gaspar Frutuoso, que escreveu “Saudades da Terra”, (1) aí pelo século XVI, depois da peste que teve início na ilha de São Miguel, em 23 de Julho de 1523, e quase se estendeu por toda a ilha e se estendeu pelas ilhas - disso nos fala.
Os açorianos, temendo que a epidemia se alastrasse às ilhas, fizeram votos públicos ao Divino Espírito Santo para que a grave epidemia, que tantas vítimas havia causado em São Miguel, não chegasse a estas “ilhas de baixo”.
E foi assim que nasceu, ao que reza a tradição, a devoção à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que, apesar de tudo, quase caiu no esquecimento, vindo a intensificar-se por ocasião das erupções vulcânicas que atingiram a Ilha do Pico nos anos de 1718 e 1720, as quais, além de algumas vítimas, arrasaram, praticamente, a freguesia de São João Baptista, destruindo muitos terrenos, deixando atrás de si extensos “Mistérios”, como o povo passou a designar as zonas devastadas. Em São João, destruiu a igreja, que existia onde hoje é o parque florestal denominado “São João Pequenino”. Ainda estão praticamente abandonados os “Mistérios” da Silveira, de São João e de Santa Luzia, onde rebentou o primeiro vulcão.
Aquando das erupções vulcânicas, o povo da Silveira fez o voto que ainda hoje cumpre, de realizar o “Império” do Sábado do Espírito Santo. Na freguesia de São Mateus, cuja zona da Terra do Pão foi atingida, nessa época, fez-se o voto de distribuir vésperas no dia do Padroeiro uma vez que foi nesse dia 21 de Setembro que o vulcão arrebentou.
A devoção à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade não ficou por aí.
Lacerda Machado, na sua “História do Concelho das Lages” informa:
“Em todas as freguesias do concelho das Lages se realizavam estas festas, ainda no meu tempo. Outrora, havia largos arborizados, chamados ramadas como se vê em muitos documentos antigos, guarnecidos de banquetas e destinados aos impérios. (…) Estas festas tiveram sempre um cunho particular, muito diverso das que se realizavam no Faial e nas outras ilhas. (…) Desapareceram as ramadas, mas continuaram os Impérios, instalados em largos próprios e cada um possui uma capela onde é recolhida, durante o império, a Coroa do Divino Espírito Santo.”(2) Algumas dessas capelas conservam a Coroa durante o ano, como é o caso da Ribeira do Meio e não sei se em outras mais.
Mas o certo é que os impérios continuam nos três tradicionais dias do Espírito Santo, com a particularidade da Segunda-Feira do Espírito Santo ser agora considerado feriado oficial da Região.
Tradicionais são, embora em épocas diferentes, o império de São Mateus, atrás referido, e o de São Pedro, no dia do Santo onomástico, feriado municipal e que foi o reatar, há setenta e três anos, de uma histórica tradição.
Como se sabe e é tradição as festas do Espírito Santo tivessem início na Vila de Alenquer, por iniciativa da Rainha Santa Isabel, esposa do Rei D. Dinis.
“Durante os séculos XIV e XV e ainda na primeira metade da centúria seguinte, as “Festas do Império” e da “Coroação do Espírito Santo” ganharam grande desenvolvimento em Portugal , e mercê da dinâmica das descobertas, alargaram-se à África, à India, ao Brasil e ganharam raízes, ainda hoje bem vivas nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores e mesmo em terras da América do Norte”.(3)
Além dos Impérios, em certas localidades, nas Domingas entre a Páscoa e o Pentecostes, realizam-se as chamas “Coroações”, normalmente, em cumprimento de votos. Na freguesia da Santíssima Trindade ainda é tradição, nos lugares das Terras e da Almagreira, certas famílias “levarem a Coroa” de cinco em cinco anos, fazendo a festa religiosa com Missa cantada e coroação, e oferecendo a centenas de familiares e convidados as apreciadas “sopas do Espírito Santo”. Nos outros lugares da freguesia: Vila, Ribeira do Meio e Silveira era também tradição cumprir esses votos, mas caíram em desuso.
1)Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, L.4.- 1981,pág. 3
2)F.S.Lacerda Machado, História do Concelho das Lajes,1936, pág.134.
3) António Oliveira Nelo, António Rodrigues Guapo, José Eduardo Martins, “O Concelho de Alenquer” Vol. 2, 2ª Edição, pág. 90
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